Pedro é uma luz para o caminho: O Museu Luiz Gonzaga de Dom Quintino, a transformação através do afeto

                 Foto: Wagner Pereira


Por Wilton Carvalho
Brincadeiras podem se tornar modelos de existência, e assim tem sido a história do jovem Pedro Lucas Feitosa: em 2013, aos 8 anos, um menino se vale da casa de sua bisavó para brincar de museólogo logo no pequeno distrito de Dom Quintino, da cidade Crato – CE.

Esse ato, aparentemente banal e efêmero da infância (“as crianças imaginam coisas impossíveis”) partiu do encantamento de Pedro com a canção Asa Branca do mestre Gonzaga, seguido da visita ao Parque Aza Branca no município de Exu – PE, local no qual se encontra o maior acervo referente a vida e obra do Rei do Baião.

A ingenuidade daquela criança, jamais poderia prever a forma radical que o afeto por Gonzaga e o brincar de museólogo trariam a sua vida. Pois bem, para o espanto de todos, uma criança, circunscrita a uma realidade de escassez financeira e de instrução cultural, continuou aquela brincadeira, pedindo objetos que julgava ser ‘antigos’ e adequados para seu Museu. Vale dizer, que essa curadoria da imaginação/limitação, incluía objetos como telhas e pedras que só o olhar de uma criança poderia atribuir valor.

O que impressiona nessa história é o verbo continuar, tendo em vista que tal prática está intrinsecamente ligada ao esforço, ao cuidado e, muitas das vezes, a coragem. Neste caso, em especial, continuar está indissociável do entendimento de afeto.

O contato com a canção e com o espaço no qual vive a obra de Gonzaga não foram simples contatos, mas experiências. Isso implica que tais situações atravessaram Pedro. Como aponta o educador espanhol Jorge Larrosa, “experiência é aquilo que nos passa”, e passar, nesse sinto, é sinônimo daquilo que afeta e transforma.

Essa noção de afeto, alinha-se bem com a compreensão de marca de Sueli Rolnik, isto é, “as marcas são os estados vividos em nosso corpo no encontro com outros corpos, a diferença que nos arranca de nós mesmos e nos torna outros”. Dessa maneira, as inúmeras marcas advindas do afeto entre Pedro Lucas e a cultura regional produziram uma subjetividade improvável: uma criança/adolescente com um profícuo conhecimento acerca de temas como a música, a poesia e o estilo de vida do sertanejo; uma força capaz de congregar outras pessoas em torno de uma causa; um ponto de convergência políticopedagógico acerca da identidade regional.

História, Sem sugestões, desenvoltura, fotografia, manipulação audiovisual. Artigos, trabalhos de conclusão de curso, jornais, rádio, TV, documentários internacionais, etc. São alguns dos muitos saberes adquiridos por Pedro e algumas das inúmeras plataformas e linguagens pelas quais a história do Museu Luiz Gonzaga de Dom Quintino se disseminou e se dissemina. Essa história, em toda sua força e beleza, poderia ser bem resumida na compreensão do estilista Ronaldo Fraga sobre o conceito de cultura: “cultura é água fluida, aquilo que corre e fertiliza, e nos alimenta em tempos áridos”.

Pedro Lucas cresceu sob uma situação de dificuldades, mas o afeto pela cultura transformou o seu corpo de uma forma que talvez ainda não possa dimensionar. Pedro Lucas é um corpo-cultura-sertão, no sentido mais positivo que essa articulação posso sugerir.

Entres canções de Gonzaga, cordéis, artigos em couro, livros, objetos, contatos, lives, etc., um corpo se faz e se (trans)forma. Uma subjetividade, cuja existência só se dá devido ao afeto. Dessa forma, Pedro, como tanto outros jovens que expandem fronteiras de uma determinada expectativa social, mostra um dos caminhos possíveis para educação do país, quer dizer, o do afeto, o do cuidado e o do engajamento cultural.

Por fim, parabéns ao Museu Luiz Gonzaga de Dom Quintino pelos seus dez anos de existência. Foi a experiência de ouvir o jovem Pedro que gerou esse texto, tendo em vista que não é primariamente a razão que nos mobiliza, pois somos seres de pulsão e emoção. Isso implica que, apesar de todo o conhecimento de Pedro Lucas acerca da história de artistas, das canções, dos cordéis, do percurso dos artefatos e das questões que esse último levantam (logos), foi a maneira visceral que as suas experiencias primeiras o passaram (patos) que produziram o conglomerado de informações que hoje porta o jovem.

Portanto, é como aponta a pesquisadora Diana Taylor, a efetividade não está na racionalidade, pois reside no afeto; e é esse encantamento que me fazem parar, em tempos quase imparáveis, para difundir essa profícua história do Sertão.

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